domingo, 8 de janeiro de 2017

O AGENTE RACIONAL



"O  estudo  da  mão  fria (*)  mostrou  que  não  podemos  confiar  plenamente  em  que  as nossas  preferências  reflitam  os  nossos  interesses,  ainda  que  sejam  baseadas  na experiência  pessoal  e  ainda  que  a  recordação  dessa  experiência  tenha  sido obtida  no  último  quarto  de  hora!  Os  gostos  e  as  decisões  são  moldados  pelas recordações  e  as  recordações  podem  ser  erradas.  A  evidência  apresenta  um profundo  desafio à  ideia  de  que  os  seres  humanos  têm  preferências  consistentes  e  que  sabem como  maximizá-las,  uma  pedra  angular  do  modelo  do  agente  racional."

"Pensar, Depressa e Devagar" (Daniel Kahneman)

Constatações como esta minam a ideia do sujeito racional, com implicações em quase todos os domínios, e, a começar, na ideia da vontade política 'expressa pelo voto'. Por outro lado, favorece a velha misantropia dos tiranos que acham que o povo deve ser protegido de si mesmo.

É uma ideia tão antiga quanto o 'mito da caverna'. Só os que subiram à superfície e viram o verdadeiro sol podem, depois dessa experiência, regressar à caverna para reencaminhar os seus compaheiros.

Em que sentido, pois, podemos interpretar a 'vontade' de um eleitorado? Isto claro que vai mais longe do que a crítica pseudo-marxista ao 'voto de quatro em quatro anos', como se o voto instantâneo oferecesse qualquer garantia de racionalidade do ponto de vista dos interesses individuais ou de 'classe'. Podemos ter uma ideia de como a coisa funcionaria com o exemplo do Twitter e das outras redes sociais.

É por tal razão que a democracia é muito parecida com o melhor (ou o menos mau) consenso, não racional, no sentido próprio, sobre o 'contrato social'. O que corresponde a uma redução drástica da  sua ambição de representar a vontade livre dos cidadãos.

Ao mesmo tempo, essa focagem permite compreender outras espécies de consenso historicamente tão legítimas quanto o consenso democrático. O Grande Animal, metáfora do aristocrático Platão, aplicada ao 'povo' volta a estar na ordem do dia depois de alguns resultados eleitorais recentes.



(*) "(...) a maior parte das pessoas prefere repetir uma experiência em que sofreu durante mais tempo, mas na qual o sofrimento se foi atenuando, à hipótese de voltar a passar por uma experiência curta mas em que o nível de sofrimento foi constante."

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