domingo, 1 de janeiro de 2017

O ACTOR SEM MÁSCARA



"Ao princípio sentiu uma certa estranheza pela atmosfera das salas da Delegação do Comércio que estava ligada à embaixada.  Compreendia que no mundo burguês se tinha que representar e jogar o jogo deles, mas considerava que ali o jogo era demasiado bem representado, de modo que se tornava quase impossível distinguir a aparência da realidade."
"Darkness at Noon" (Arthur Koestler)

O homem torna-se naquilo que faz e naquilo que ganha. Era sinceramente que os funcionários do partido em missão no estrangeiro consideravam como um dever patriótico precisamente não se distinguirem, não levantarem suspeitas sobre a sua real actividade. Não se sentiam actores e trabalhavam para cozer bem a máscara. A voz hipócrita não se fazia ouvir. 'Com a verdade me enganas', como se diz. Quanto mais contraditóriamente sinceros, mais eficaz era a sua missão, fosse ela qual fosse.

O mal-estar de Rubashov, de um ponto de vista 'jesuítico', era já o sinal de uma falta, de uma defecção que a história depois verificará plenamente. Como é que o sentido crítico reaparece no 'actor'? Assim, 'fora do contexto', como se não houvesse um pacto de sangue, um juramento implícito de subordinação do indivíduo à causa do colectivo?

Temos o modelo desta rebelião no anjo que renegou o Céu e com esse gesto fundou o mundo satânico desafiador do Bem e de tudo que ele representa. Rubashov acabará num dos 'processos de Moscovo', renegando-se a si próprio e à sua dissidência para salvar a Causa.

'La boucle est bouclée', dizem os Franceses.

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