terça-feira, 5 de dezembro de 2017

A ARTE INSTANTÂNEA

(Kasimir Malevitch)


"Aqui, Malevitch envia-nos para a tradição cultural valorizada da contemplação mística, para o platonismo e o seu amor pela geometria, como para o ícone cristão. Assim, a grande tradição cultural, que em Duchamp permanecia em plano de fundo, encontra-se em Malevitch no primeiro plano. Mas, ao mesmo tempo, o "Quadrado Negro" de Malevitch é uma figura geométrica profana que remete em primeiro lugar para o mundo profano da técnica, das construções técnicas e da produção de massa estandardizada; por outras palavras, é igualmente um ready-made."
"Du Nouveau" (Boris Groys)

Portanto, uma intrigante ausência de "valor acrescentado", do ponto de vista da capacidade técnica e da criatividade artística que é característico de tanta pintura moderna, como justamente aquele quadro de Malevitch ou a obra de Rothko, quando comparada, por exemplo, com a tradição clássica, cujo nível técnico era difícil de alcançar, compreende-se à luz do gesto inaugural de Duchamp que, pela simples descontextualização do objecto profano acedia ao valor artístico.

É que, de facto, dentro deste espírito, não é importante o trabalho a que o artista sujeita as formas, seja deformando a "Mona Lisa" ou entregando ao acaso mecânico a modificação duma obra consagrada ou de qualquer objecto do mundo 'profano'. O caso é que este objecto já está pronto (ready-made) para receber o estatuto de obra de arte, pela pura intenção do artista.

Toda essa cultura teria redundado numa grande insignificância e na desvalorização geral da arte se não se tivesse que se medir com aquilo a que Groys chama de arquivo cultural (de que fazem parte, por exemplo, os museus e as bibliotecas).

"A cultura é já sempre uma hierarquia axiológica. Todo o acto cultural ratifica ou modifica esta hierarquia. (...) Obras de arte e teorias são comercializadas no mercado conformemente ao valor que lhes é atribuído pelos acontecimentos culturais."

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